Leite numa alimentação saudável... Aliado ou Terrorista?

17-08-2019

O leite é sem dúvida um dos meus alimentos de eleição, mas atualmente a lactose, açúcar presente no leite, tem vindo a sofrer várias críticas nutricionais. Serão verdadeiras? O nutricionista João Rodrigues esclarece tudo!

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A alimentação faz parte da nossa vida a vários níveis, pois fornece-nos energia, nutrientes, bem-estar físico, bem-estar psicológico e prazer. É, por isso, algo fundamental para satisfazer as nossas necessidades básicas, ao mesmo tempo que contribui para a nossa individualidade. A célebre frase "Somos o que comemos", proferida por Hipócrates há mais de 2500 anos, demonstra bem a importância da alimentação para cada um de nós.

Atualmente vive-se um período no qual a sociedade valoriza cada vez mais a adoção de um estilo de vida saudável, sendo que a alimentação, como é óbvio, tem um papel chave a esse nível. Devido a isso, nunca tanto como agora a sociedade esteve tão atenta ao que se come. E se por um lado todas as pessoas comem, e por isso devem ter a sua opinião sobre o que gostam ou não gostam, é preciso algum cuidado (e bom-senso!) quando daí se passa para conselhos nutricionais, com supostas bases científicas. Se o facto de eu ter um carro não me transforma num mecânico, nem o facto de eu saber desinfetar um arranhão faz de mim um enfermeiro, não me parece lógico que algumas pessoas sem formação na área já se considerem experts em nutrição, apenas porque comem! A alimentação é, sem dúvida, uma das áreas nas quais existe mais desinformação, e um excelente exemplo dessa situação é o que acontece atualmente com o leite e derivados...

Há umas décadas o leite era considerado um alimento fantástico, cujo consumo era valorizado e incentivado. De repente, um pouco à boleia do fundamentalismo associado ao crescimento do vegetarianismo e do veganismo, os seus benefícios começaram a ser questionados, ao mesmo tempo que têm surgido vários supostos riscos associados ao consumo do mesmo. Aqui fica uma lista dos principais:

- O leite aumenta o risco de doenças alérgicas a autoimunes - Apesar de cada vez mais se ouvir este tipo de ideias, não há dados científicos atuais que as comprovem, pelo que, até prova em contrário, são ideias erradas.

- O leite aumenta o risco de obesidade - Se se optar pelas versões com menos gorduras, os laticínios parecem ser bons aliados para perder peso ou manter um peso baixo. Ou seja, é exatamente o contrário do que algumas pessoas afirmam.

- Os laticínios aumentam o risco de cancro - São vários os estudos científicos que abordam este assunto e de uma maneira geral verifica-se o oposto, ou seja, uma diminuição do risco de vários tipos de cancro, nomeadamente cancro coloretal, cancro da mama, cancro da bexiga e cancro do estômago. No entanto, há na realidade um tipo de cancro cujo risco parece ser ligeiramente aumentado com o consumo de leite e derivados, que é o cancro da próstata. De qualquer das formas, pesando todos os prós e contras, pode-se afirmar que, a este nível, o consumo de laticínios é mais vantajoso do que prejudicial.

- O leite e derivados aumentam o risco de doenças cardiovasculares - Em relação a esta ideia convém referir que os laticínios podem apresentar níveis de gordura muito diferentes entre si e que este parece ser um elemento chave para a sua relação com as doenças cardiovasculares. De uma maneira geral, o consumo de versões com baixo teor de gordura parecem ter um efeito protetor a este nível.

- O leite está carregado de hormonas e antibióticos - Genericamente esta situação é claramente falsa, pois há cada vez mais rigor e controlo na produção dos alimentos. De qualquer das formas, mesmo que fosse verdade, nunca seria um argumento contra o leite, mas sim contra as entidades que fiscalizam a presença de contaminantes no mesmo.

- Somos o único mamífero que bebe leite na idade adulta - Este tipo de ideia é dito por muita gente, como se fosse um argumento para alguma coisa. O ser humano é o único mamífero que faz tantas coisas, como cozinhar, andar de carro, ir ao cinema, entre tantas outras. Confesso que quando alguém me diz esse tipo de ideias, pergunto-me porque é que essa pessoa não vive como os restantes mamíferos em todos os parâmetros do seu dia-a-dia!

Apesar de todos os potenciais benefícios associados ao consumo de leite e derivados, há, na realidade, casos em que o mesmo não deve ocorrer, ou, pelo menos, deve ser alvo de uma atenção em especial. Em primeiro lugar destacaria as pessoas que são alérgicas às proteínas do leite de vaca. Neste caso o consumo de leite, derivados, ou produtos alimentares com leite na sua composição, não é aconselhado. Em segundo lugar, temos as pessoas que têm intolerância à lactose. A lactose é o açúcar natural do leite, sendo que os intolerantes à lactose não conseguem fazer a sua digestão. Neste caso, a opção mais simples será optar por laticínios sem lactose. Em terceiro lugar, há pessoas que simplesmente não gostam do sabor do leite. Nestes casos, a melhor opção é não o consumirem. Apesar de haver potenciais vantagens associadas ao consumo de leite e derivados, não são um alimento indispensável, sendo que, com as escolhas alimentares adequadas é possível ter uma vida perfeitamente saudável sem laticínios. Mas gostaria de deixar claro que essa deve ser sempre uma decisão pessoal, e não uma decisão tendo por base supostos problemas de saúde que os laticínios podem provocar.

Portanto, de uma maneira geral, o consumo de laticínios tem várias vantagens para a saúde. Além disso, o leite é um alimento com um custo muito baixo, tendo em consideração a sua riqueza nutricional. É também muito versátil do ponto de vista culinário. Somando todos estes fatores, facilmente se percebe que, ao contrário do que muitas pessoas defendem, pode-se e deve-se consumir leite, desde que, tal como acontece com todos os alimentos, em quantidade adequada!

João Rodrigues - Nutricionista

Blog: Mundo da Nutrição