Voluntariado em tempo de Pandemia.
A minha experiência de voluntariado no Centro Paroquial e Social de Lanheses.
No final de 2019 começou a ser notícia que a China se encontrava a lutar contra um vírus, mais especificamente a Covid-19. Pensei que seria mais uma gripe, igual às outras, e que muito provavelmente nem chegaria a Portugal. Enganei-me.
A 10 de março de 2020 foram suspensos os ensinos clínicos. O mundo parou. Desde aí os e-mails de pedido de ajuda de várias instituições foram chegando. Eu tinha duas hipóteses: ficava em casa ou tornava-me útil na vida de alguém. Escolha fácil. Inscrevi-me na bolsa de voluntariado e fui contactada.
No dia 24 de abril, iniciei a experiência de voluntariado no Centro Paroquial e Social de Lanheses. Uma experiência que acabaria após 15 dia, mas, por motivos de força maior, terminou apenas ao fim de 21. Foi duro, mas foi ainda mais mágico.
Após obter a autorização do Diretor Executivo do Lar, Doutor Vasco Araújo, realizei, diariamente, um diário de bordo e publiquei na minha página do Facebook. Podem consultá-lo aqui.
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DIA 1- O COMEÇO
Hoje foi o início desta experiência maravilhosa, o voluntariado no Centro Paroquial e Social de Lanheses. O dia em que uma equipa de 12 pessoas trocou o conforto de casa pela vida daqueles que poderiam ser os nossos idosos. Muitos trocaram o abraço dos filhos para que outros filhos possam vir a abraçar os seus pais novamente.
Quando cheguei ainda receosa pelo desconhecido o meu coração acalmou ao ver o sorriso dos idosos, sorriso de quem não vê alguém diferente há algum tempo.
Quando chegamos avaliaram-nos a temperatura, tomamos Duche, trocamos de roupa, colocamos a máscara (por segurança, visto que todos demos negativo no exame ao Covid-19) e iniciamos a visita guiada ao lar.
Entre explicações e apresentações criou-se um espírito familiar e de harmonia.
Hoje foi o começo, amanhã será mais uma aprendizagem.
Protejam-se.
DIA 2- CRIAÇÃO DE ROTINAS
Hoje iniciamos as aprendizagens básicas de funcionamento deste serviço, prestando cuidados de alimentação e higiene aos nossos idosos, assim como também nos ocupamos do seu entretenimento.
Desde o primeiro minuto que esta experiência se revela fascinante, hoje após alimentar uma utente com algumas incapacidades motoras e também de comunicação encheu-me o coração quando me disse: "fica aqui", uma frase tão simples mas ao mesmo tempo muito especial pois percebi que, por breves momentos, fiz a diferença na vida dela.
O dia foi cansativo mas o espírito é sempre união e alegria.
Agora, após um dia longo, vou deixar-vos para ir dormir no Quarto das Guerreiras Voluntárias.
Protejam-se.
DIA 3- VÍDEO-CHAMADAS
Aqui as video-chamadas são analgésicos para a saudade, relembram os cheiros e o aconchego do abraço daqueles que são mais queridos, é sem dúvida o momento mais feliz do dia dos nossos idosos.
Cada utente é um utente, portanto há aqueles que comem melhor e aqueles que evitam as refeições, por isso decidi adotar uma medida, agora canto enquanto alimento os nossos idosos, engraçado como as refeições se revelam mais fáceis e animadas.
Os dias passam rápido mas o cansaço faz-se sentir, no entanto continuamos a aproveitar todos os momentos de pausa para alegrar o nosso dia.
Protejam-se.
DIA 4- ALZHEIMER
O Alzheimer é um tipo de demência muito incapacitante. Infelizmente os idosos são propensos a esta patologia e neste momento, durante o isolamento social, os utentes revelam-se mais frágeis e confusos. É o caso da dona Júlia (nome fictício) que acredita que tem de ir para casa porque estão à sua espera. Não é fácil lidar com estas situações, pois por mais que não seja a realidade é a verdade daquela pessoa, e isto causa um enorme sofrimento.
Hoje foi a minha vez de deitar a dona Júlia o que é sempre uma tarefa complicada visto que ela acredita que tem de ir para casa dormir com os filhos, então adotei uma estratégia: enquanto lhe vestia o pijama falei dos seus filhos, perguntei o nome, as idades, os netos, entre outras coisas... tudo isto fez com que ela se concentrasse no seu passado, o que é um exercício muito vantajoso pois para além de exercitar o cérebro também mata saudades em pensamento. Consegui vestir o pijama e colocá-la no leito pacificamente, e no fim, agradeceu. Simplesmente Gratificante.
Apesar do cansaço estamos bem, e vamos ficar todos bem.
Protejam-se.
DIA 5- UM DIA COM O ENFERMEIRO
Para além de gratificante esta experiência é também enriquecedora, e hoje, nós voluntários, tivemos a sorte de poder passar um dia com o Enfermeiro que nos proporcionou uma formação sobre Úlceras por Pressão e deixou assistir aos tratamentos. Quando escolhi enfermagem fi-lo por sentir que é uma profissão rica em amor e é isso que eu vejo aqui, amor pelo que se faz e acima de tudo amor e respeito por quem aqui está.
Temos idosos muito especiais, que precisam de cuidados ainda mais especiais e aqui são executados com todo o carinho e dedicação.
Mais um dia passado com muitas experiências que ficarão para a vida.
Protejam-se.
DIA 6 - NOITE DE CURA(ÇÃO)
As noites numa instituição de saúde são duras. O silêncio mói e a incerteza reina. Foi a minha primeira noite mas na realidade não me foi estranha, foi como se já tivesse feito algumas.
Durante o "turno" a dona Sofia (nome fictício) chorou sempre, algo que já era habitual, mas era um choro diferente, não de dor física mas sim de dor emocional, tinha a alma dorida. É muito difícil conseguir lidar ou tentar ajudar alguém nesta situação pois sem comunicação verbal torna-se complicado perceber o que se passa no seu coração. Eu, confusa, sabia que um Paracetamol não ia curar aquela dor mas também não consegui continuar ali sem fazer nada, foi aí que lhe dei a mão e rezei, rezei alto para ela ouvir e em pouco tempo ela acalmou e completava as orações. Não sei explicar o quão isto me tocou, mas percebi que a Fé é a cura da Alma, seja de que maneira for, então conclui que "a fé move montanhas".
Continuamos forte e gratos.
Protejam-se.
DIA 7- VÉSPERA DE MAIO
Todas as atividades são bem recebidas pelos nossos idosos, pois nesta altura tudo o que é novidade é bem-vindo. Com o chegar de maio veio também a criação de coroas com as suas tradicionais flores E os nossos utentes tiveram a arte e o gosto de o fazer.
É muito importante o contacto com a natureza e nesta altura de confinamento não foi possível irmos até ela, no entanto, veio ela até nós Esta pequena atividade serviu também para matar saudades do cheiro das flores e da sua textura. Os sorrisos estampados ficarão guardados na minha memória para sempre.
A dona Sofia (nome fictício) continua calma, o seu comportamento agitado não voltou, até já sorri não existe descrição possível para isto.
Hoje farei à equipa uma sessão de relaxamento por imaginação guiada Todos merecem!
Protejam-se.
DIA 8 - PREPARAÇÃO DA ATIVIDADE DO DIA DA MÃE
O Dia da Mãe é um dia importante para todos nós, mais novos ou mais velhos. Hoje iniciamos a preparação de uma atividade que marcará esta data. Alguns utentes pintaram, outros colaram e todos escolheram uma palavra para descrever a sua mãe. Muitos ficaram emocionados ao recordar as suas mães, e como diz a Sónia, colega aqui do Lar: "às vezes esquecemo-nos que eles também foram filhos", o que é muito verdade, pois ao ver a sua maturidade só os imaginamos como pais ou avós e raramente como filhos ou netos.
Uma lição que levarei para a vida é que as memórias que criamos agora, como jovens, com os nossos pais, ficarão para sempre no nosso coração, e mesmo que não nos lembremos de muitas coisas quando formos idosos, deles não nos esqueceremos.
Mais um dia passado, uma semana completa, agora é aproveitar cada momento com esta família do coração.
Protejam-se.
DIA 9 - SAUDADE
A saudade é doença, deixa-nos em baixo, com o coração dorido e com a alma presa.
Os dias aqui são bons, produtivos e gratificantes mas a saudade do ar livre, do cheiro do mar e da nossa liberdade é indescritível.
Conforme os dias vão passando a saudade vai aumentando, em nós e nos nossos idosos. Eles demonstram através do olhar inconquistável e vazio.
A falta dos filhos e dos netos, da missa e do mercado, dos abraços e afetos daqueles que lhes são mais próximos ou da simples ida ao quiosque para comprar o jornal. Aprendemos muito com esta pandemia, mas aqueles que não podem estar em casa com os seus a refletir sobre ela, só perdeu.
A única coisa que posso fazer aqui é tentar confortar o coração destes idosos que podiam ser os meus, mesmo que o meu abraço não substitua o dos netos tenho a certeza que os acalma e reconforta, isso vê-se no seu rosto, no seu sorriso.
E assim me despeço, com muita saudades dos meus, mas com o coração cheio.
Protejam-se.
DIA 10 - LUFADA DE AR FRESCO
O Dia da Mãe trouxe com ele um sol consolador, que aqueceu os nossos corações
Hoje, os nossos idosos, foram contemplados com uma surpresa, um pequeno filme onde aparecem a preparar uma atividade sobre as suas mães, este vídeo foi cedido aos filhos e familiares próximos, não o partilho aqui por questões de ética e privacidade, mas acreditem que o resultado foi incrível e a reação deles ainda mais
O estado climático hoje foi perfeito para um lanche ao ar livre, no jardim aqui do lar. A saudade do sol, do ar e do calor foi-se embora e em substituição veio o embalo da relva. Cantamos e dançamos ao som das suas músicas preferidas, e claro, hoje não faltou a "Mãe Querida".
Nesta foto podem ver a dona Marta (nome fictício), uma senhora habituada à sua liberdade e principalmente a andar no campo, hoje esteve no paraíso, só gostava que vissem a sua cara de satisfação.
Mais um dia passou, cheio de novas experiências.
Feliz dia a todas as Mães!
Protejam-se.
DIA 11 - NÃO SOMOS ETERNOS
Hoje fiz noite. As noites são sempre uma descoberta, quer seja pelos desafios, quer seja pelo desconhecido. Elas passam devagar, não só para nós que trabalhamos, mas também para os utentes. As dores são mais, as saudades também e o aconchego não chega.
Quando as noites demoram a passar o meu refúgio são eles, os nossos idosos. Estar ao seu lado, ouvir as suas preces e dar-lhes a mão. Não há nada que substitua isso.
Às vezes fico triste, porque sei que os anos passam e os nossos familiares também vão envelhecer, e custa, custa muito saber que não são eternos, mas é esta a lei natural da vida, e não podemos viver a pensar nisso, mas hoje, com mais maturidade (trazida por esta experiência) espero e rezo para que um dia os meus sejam tão bem tratados como estes são aqui, com tanto amor e conforto.
O fim da experiência aproxima-se e é impressionante como todos os dias há sempre algo novo e os nossos laços de amor crescem ainda mais.
Protejam-se.
DIA 12 - FAMÍLIA
Chegou a altura de falar destas pessoas incríveis que lutam diariamente para que todos estes idosos possam viver estes tempos complicados com dignidade e conforto.
Nesta fotografia podem ver heróis, pois eles podiam ter ficado em casa, com os filhos e restante família, mas em vez disso trocaram o conforto pelo trabalho, trabalho duro, muito duro! Eu nunca tive a noção que estas profissões pudessem ser tão exigentes, desde o diretor que toma as decisões mais difíceis até às auxiliares de ação direta que tratam estes idosos de forma irrepreensível, e mesmo assim continuam a ser desvalorizadas, não por esta instituição mas sim por muitas outras entidades que não percebem o quão difícil é lidar com utentes que muitas vezes as ofendem e agridem, mas que importância tem? Não são eles que estão aqui.
As senhoras que mantêm esta "casa" limpa são igualmente importantes, pois sem higiene também não há saúde, o mesmo acontece com quem permite que todos tenhamos uma alimentação equilibrada e tão deliciosa.
Também temos quem trate da parte burocrática, mas não deixa de levantar pratos ou dar refeições, e a isto chamo humildade.
Aqui dentro os títulos são irrelevantes, todos nos respeitamos, todos somos um.
Podia dizer mais mil e uma palavras mas nenhuma descreveria o que se vive aqui dentro, a não ser: Família.
Obrigada por partilharem esta experiência comigo, obrigada por serem assim.
Um obrigada muito especial também à Enfermeira Voluntária que não está nesta fotografia porque trabalha 24 sobre 24 horas para que continuemos saudáveis, e como devem imaginar nesta altura não faltam propostas de trabalho pagas, mesmo assim ela está aqui nesta missão e a ela devo o meu eterno respeito.
Protejam-se.
DIA 13 - NOSTALGIA
A nostalgia já reina aqui. Está a acabar esta maravilhosa experiência, talvez a experiência da minha vida. É indescritível a falta que vou ter de tudo, das manhãs agitadas, dos utentes amorosos, até daqueles que não o são, da alegria de todos, do barulho, do silêncio, do cheiro da roupa lavada, da voz dos nossos velhinhos, dos pedidos para ir à casa de banho, do rezar do terço e acima de tudo da companhia, do não estar só.
Ainda tenho alguns dias para aproveitar por isso não posso render-me a este sentimento.
Hoje, enquanto vestia a dona Beatriz (nome fictício) fez-me um pedido muito especial... num tom meio envergonhado disse-me: "minha querida, será que hoje podes calçar-me as minhas sapatilhas?" ( é habitual os utentes usarem pantufas anti-derrapantes, para manter os pés quentes e ser mais seguro), é óbvio que não hesitei e fiz-lhe a vontade. No fim de as calçar disse-me: "obrigada minha querida, tenho tantas saudades das minhas coisinhas, és um amor", dei por mim a pensar como é que é possível uma simples ação fazer alguém tão feliz? E lá foi ela para o refeitório com as suas sapatilhas brancas com brilhantes cinzentos, cintilante como só ela sabe ser.
De encher o coração.
Protejam-se.
DIA 14 - SAÍDA ADIADA
Hoje recebemos a notícia que teremos de ficar mais tempo aqui, por questões de segurança dos nossos idosos.
A notícia foi recebida de uma forma amena. Por mais maravilhosa que seja esta experiência o cansaço já assume um papel com peso. Saber que afinal amanhã já não vamos poder estar com os nossos mói. Estar 24 sobre 24 horas aqui ao fim de 15 dias deixa saudades da rotina. Tenho muitas saudades de escrever para o Chá&Mel, mas neste momento não é possível, pois todo o tempinho livre é usado para descansar ou aliviar a cabeça com os colegas.
Vamos todos ter fé em melhores dias.
Aqui continuamos bem e com certeza que venceremos o cansaço e as saudades.
Por favor usem proteção, esse pequeno gesto muda tudo, lembrem-se que muitas pessoas como nós, que estamos aqui, precisamos que vocês aí fora cumpram para podermos voltar também às nossas casas.
Protejam-se.
DIA 15 - O RECOMEÇO
Hoje seria o dia do regresso a casa, mas por questões de força maior foi adiado, portanto hoje foi o recomeço.
Estar aqui não é só um mar de rosas, muitas vezes o cansaço físico e psicológico faz-me ficar desgastada, o facto da saída ter sido adiada mexeu comigo, aliás, com todos.
Hoje foi um renovar de energias, tenho a sorte de ter ao meu lado pessoas incríveis que conseguiram melhorar muito o meu estado de espírito e manter-me ainda mais forte.
Para além disso, a dona Beatriz (nome fictício) ficou muito contente por esta equipa ficar por mais um tempo, e disse-me "minha querida, sei que estás cansadinha, mas fico tão feliz por ficares aqui, gosto tanto de ti", que bom que é ouvir estas palavras, gosto tanto dela, é tão bom ter gente assim... Claro que alguns segundos depois pediu-me: "meu amor será que posso calçar as sapatilhas outra vez?"
Aqui continuamos bem, e fazemos fisgas para que ai fora vocês também fiquem.
Protejam-se.
DIA 16 - ANIMAÇÃO
Hoje podem ver esta coreografia realizada por nós, que pretende transmitir a mensagem de que aqui todos estamos bem e a força continua em grande.
Estes momentos em grupo salvaguardam a nossa alegria que é essencial para quem está aqui há tanto tempo, pois permite manter um espírito em equipa positivo, transmitindo melhores cuidados aos nossos idosos.
Antes de gravar o vídeo fizemos uma demonstração da dança aos nossos utentes, que ficaram felizes com a mensagem que quisemos passar, alguns mostraram alguma vontade em participar e até deram alguns passinhos de dança.
Todas nós, mulheres, estamos com Toucas Miagami, que após encomendadas foram entregues aqui à porta do Lar com as devidas precauções Estas toucas existem em todas as cores e com máscara a combinar.
Continuamos Fortes!
Protejam-se.
DIA 17 - MORTE
A morte é um assunto Tabu para muitos.
Quando se trabalha com pessoas idosas é muito difícil ter ou manter uma conversa sobre este assunto.
No momento do levante, enquanto faço a higiene ao utente, procuro sempre conhecer mais sobre ele, pois acho tão vazio estar ali a tocar com uma esponja no corpo da pessoa tão exposto para mim sem tentar perceber o que se passa no seu pensamento. A conversa é um quebra gelo.
Enquanto dava banho à dona Marília (nome fictício) perguntei-lhe sobre a sua família, e ela disse-me de uma forma pacífica mas ao mesmo tempo com dor no olhar que a sua filha morreu ainda criança e o seu marido pouco tempo depois. É difícil imaginar este cenário, mas infelizmente é o de muita gente. Viveu a vida sozinha, com muitas dificuldades, mas sempre com um sorriso no rosto. Podia ser uma senhora amargurada mas em vez disso é amável, querida e com um coração gigante.
Quando estava a acabar de tirar a espuma disse-me: "Sabe menina, eu não tenho medo da morte, ela espera-nos a todos, mas também espero viver mais tempo, para que eles (filha e marido) vejam que eu estou bem cá em baixo", a forma doce com que disse não tem explicação, podia achar que já não fazia sentido continuar, mas a realidade é que fazia todo, porque tem a sorte de estar viva.
Dou por mim a pensar no quão injustos somos quando pensamos que nada corre bem, e no final de contas temos tanto e não valorizamos.
A dona Marília é o exemplo de resiliência, da força e da Fé, aprendi muito durante um habitual levante.
Valorizem a vida!
Protejam-se.
DIA 18 - BINGO!
Hoje foi um dia mais leve.
Aproveitamos o tempo para nos divertimos com os idosos, o que é sempre fabuloso pois aprendemos sempre coisas novas.
Durante a tarde jogamos ao Loto, ao Dominó e à Sueca.
Com estas pequenas atividades vamos desenvolvendo empatia com todos, nem que seja nos momentos de perda de jogo, sim porque eles dão uma abada aqui aos jovens.
Durante o jogo, quase no fim do meu cartão do Loto comentei: "só me falta 1 numero" e a dona Matilde (nome fictício) disse: "ainda bem filha, eu nem me importo que ganhes, desde que jogues mais vezes connosco", de encher o coração.
Quando se está aqui fechado há tanto tempo, com as mesmas pessoas, e se joga sempre com as mesmas os jogos perdem a piada, hoje o facto de jogar com eles trouxe outra energia ao jogo!
Foi um dia bem passado, cheio de gargalhadas, que fez esquecer o cansaço e a saudade
Protejam-se.
DIA 19 - DIA INTERNACIONAL DO ENFERMEIRO
Dia 12 de maio de 2020, dia Internacional do Enfermeiro, desta vez vivido por todos de uma forma diferente, hoje são vistos como heróis e não como assassinos.
2019 foi marcado pela greve dos Enfermeiros que lutavam pelos seus direitos. Foram criticados e julgados, chamaram-lhes assassinos e disseram que só pensavam em dinheiro. Não serão nunca esquecidas essas palavras, nem serão apagadas pelos aplausos que agora recebem.
A profissão de Enfermagem é mágica, é inexplicável o que se faz, o que se vê e o que se sente. Viver para cuidar é tão gratificante como difícil. Os enfermeiros podem assistir aos primeiros sorrisos e às últimas lágrimas. Podem dar as melhor notícias mas também as piores. Ser enfermeiro é ser um anjo sem asas. É ser poeta no que se faz, com coração.
Agora que estou em voluntariado neste tempo de Covid-19 percebi que ainda amo mais esta profissão, e sonho um dia exercê-la.
Um obrigada especial a todos os enfermeiros, quer estejam na linha da frente, quer estejam nas IPSS'S. A todos aqueles que não abraçam os filhos nem pais para continuar a salvar os nossos. A todos aqueles que adoeceram. A todos aqueles que faleceram. A todos os professores de enfermagem que formam enfermeiros, e que muitas vezes são esquecidos.
UM OBRIGADA A TODOS!
Àqueles que não os valorizaram dirijo-me dizendo: ainda vão a tempo de pedir perdão, ficando em casa, respeitando as regras da DGS, para os enfermeiros terem paz.
Assim me despeço, com um sentimento de tristeza por tudo o que estamos a passar e com coração cheio por saber que temos os melhores Enfermeiros do Mundo.
Protejam-se.
DIA 20 - FÉ
Hoje é dia de Nossa Senhora de Fátima, e os nossos idosos agarraram-se à sua Fé.
Nestes tempos complicados, a Fé é a salvação de todos, as rezas, os terços e as crenças.
A equipa proporcionou a confecção de um terço, com rolhas de cortiça, cápsulas de café e arame. Os idosos pintaram as rolhas e as cápsulas com cinco cores diferentes, com o objetivo de cada mistério representar um continente. O resultado foi incrivelmente bonito, e a alegria deles ainda mais.
Fizeram um pequeno altar com os seus santinhos e com velas, e toda a equipa rezou à sua volta.
É fascinante perceber que a Fé é algo que realmente os deixa aliviados e felizes.
Hoje recebemos a notícia que amanhã vamos poder voltar às nossas casas. A realidade é que o cansaço já pesa e vai saber bem estar com os nossos, mas esta experiência vai deixar muitas saudades.
Veremos como será a despedida.
Protejam-se.
DIA 21 - O FIM
Chegou ao fim esta maravilhosa experiência de voluntariado no Centro Paroquial e Social de Lanheses.
Foi talvez o dia mais difícil de todos, ver as lágrimas dos idosos, os abraços apertados, as festinhas na cara e a promessa: "nós voltamos para vos visitar". Criei laços muito mais fortes do que alguma vez pensei. Levo comigo as mãos enrugadas, os olhares de saudades, os sorrisos doces e as gargalhadas cómicas de cada um deles.
Foram 21 dias, dia e noite, e descobri que ganhei uma família para a vida. Colegas que passaram a ser muito mais do que irmãos. A minha família cresceu muito.
A Covid-19 trouxe muita tristeza ao Mundo, mas uma verdade é certa, se não fosse esta pandemia não tinha tido uma experiência tão incrível como esta.
Muito obrigada a todos, pelo apoio, força e carinho.
Obrigada Lar de Lanheses, por tratarem tão bem os nossos velhinhos e por terem partilhado tudo isto comigo.
Até breve.
Protejam-se.
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Assim foi, preto no branco. Vivi cada dia com uma missão: ser melhor. Conheci pessoas incríveis. Aprendi as melhores lições. Levarei para sempre esta experiencia no meu coração.
Obrigada ao Centro Paroquial e Social de Lanheses .
Obrigada ao Doutor Vasco Araújo, por todo o espírito autruísta.
Obrigada a todos os elementos desta maravilhosa equipa.
Obrigada a todos os idosos que passaram a ser familia.
Obrigada a todos os professores que estiveram sempre presentes.
Obrigada ao meu companheiro de aventuras e voluntariado, Lucas.
Continuem fortes! Protejam-se!
Daniela Mendes